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First pages of the book on animism I'm concocting

The working title of the book is Linhas de Animismo Futuro, (Lines of future animism). What follows is
just the preliminary opening paragraphs, as they are now:

Não um espectro, mas um ancião cheio de plásticas ronda a Europa conceptual – esta que se espalha por uma geometria variável e que se encontra tanto nas academias quanto nos parlamentos, nas repartições de governo, nas corporações. Nem sequer um único ancião, mas muitos: os animismos. Eles são antigos e parecem fantasmagórico, mas parecem também biônicos, cibernéticos e protéticos. Espectros ciborgues talvez. Múltiplos, com muitas caras, muitas cabeças e muitas caudas. São os ecos daquilo que anima os outros: a atmosfera da terra, as populações animais, os insetos transmissores, a microbiota receptora, os equilíbrios ecológicos, o alcance das marés, o objeto qualquer. O não-humano, o natural, o que não passa de um objeto, enfim tudo aquilo que esteve por séculos posto a parte como não mais que um cenário ou uma paisagem de fundo para a aventura humana que é em si inocente de qualquer animação própria, epur si muove.

Os espectros ciborgues plurais são portanto a multidão dos animismos que se regeneram e que se tornam outra vez disponíveis para a convicção e para a persuasão. Pensar de uma maneira animista coordena de modo diverso toda relação que os humanos mantêm com o resto do mundo já que os animismos são uma instância de propagação de protagonismos. Ao invés de nos fazer perguntar acerca de como nós lidamos com o resto do mundo ou como podemos alcançar o resto do mundo – ou se há um resto do mundo para além de nós – eles nos fazem perguntar, sem sequer pressupor que nós e o resto do mundo são times bem definidos, como tudo o que há se alcança e lida com todos os demais. Ao invés de pressupor quais atores podem assumir o papel de sujeito – só alguns – e quais o papel de objeto, eles propõe uma outra trama ou, quando esta trama consolidada e estabelecida parece inevitável, entendem que todos os atores são onnagata – aqueles atores homens que fazem o papel de mulheres no teatro Kabuki japonês – de acordo com as necessidades dos personagens. Ao invés de considerar o animado – aquele que se move de motu proprio, que se regula, que se comanda e que é capaz de começar alguma coisa – como sendo de alguma forma dissociada da fisicalidade, os animismos o encontram por toda parte. A animação não é mais a exceção humana. Nem sequer talvez o produto de uma combinação bem-feita de elementos originalmente inanimados. A animação é apresentada como endêmica.

É certo que qualquer espectro ancião, ciborgue e múltiplo do animismo está em choque com muitas convicções correntes. Ele contrasta por exemplo com a ideia de que há no fundo da natureza leis ou regularidades inevitáveis, com a ideia de que é o protagonismo que precisa ser explicado e não simplesmente assumido e com a ideia de que fora do âmbito humano há talvez reagentes, mas nunca agentes. Este livro pretende esboçar um mapeamento de alguns movimentos em direção a uns animismos nas últimas décadas e também consolidar a tese de que eles formam genuínas plataformas políticas, ainda que de uma política reinventada, deslocada, despercebida e que atenda a exigências bastante outras. Trata-se de um exercício de trazer à baila ingredientes para futuras construções animistas. Ingredientes divergentes; e o livro não se preocupa em fazê-los convergir, apenas em tentar encontrar maneiras de servi-los.

A dinâmica de expansão da animação associado às políticas animistas formam uma figura de perspectiva. O nós em que nos reconhecemos se compõe de maneiras variadas e seu alcance é ele mesma deítico - nós, como eu, ou como aqui e agora, mais dificilmente descritos do que apontados, tacitamente pressupostos antes de explicitamente definidos. O protagonismo não esteve sempre destinado a todos os mesmos humanos – a engrenagem que reparte protagonistas de coadjuvantes foi instalada em diferentes lugares. É uma engrenagem que traça fronteiras – deixando um nós dentro e o resto do lado de fora. Aqueles como nós, os que traçam a fronteira, são os que exercem agência, inclusive para estabelecer, manter e guardar a fronteira. O que está do lado de dentro protagoniza também a distinção, já que é o que está dentro que pensa ou que determina ou que promove começos (e exerce comandos). O que está do lado de dentro é soberano; e soberano para estabelecer aquilo que tem soberania e é arché – arquetípico e primordial, governante e mandatário, comando e começo. A engrenagem que faz esta distinção precisa ser mantida junto com ela, a distinção entre nós os genuinamente dotados de animação e os demais é como uma diferença fundadora que não pode ser perdida de vista, que não pode ser dada como indiferente, que traça uma fronteira que não pode abdicar de check points. Giorgio Agamben (Il aperto) introduz a ideia de máquinas antropológicas como engrenagens a serviço de alguma distinção entre o humano e o não-humano (e também, o sub-humano). As máquinas antropológicas tem que estar em funcionamento para que o humano se reconheça como sui generis, mas diferentes máquinas – ou seja, diferentes distinções e engrenagens – foram colocadas em funcionamento. As máquinas antropológicas, Agamben mostra, têm uma arqueologia.

Peter Sloterdijk (Spheren) entende estes nós cambiantes em que nos reconhecemos em termos de esferas ou bolhas que se dilatam em um movimento centrífugo em que âmbitos menores dão lugar a maiores. Pensando nos termos de uma história destas bolhas, a atribuição de animação não começa com uma visão de terceira pessoa, mas com um nós que é formado apenas pelos chamados humanos direitos – mais ou menos os homens, brancos, proprietários, adultos, não-descapacitados, hetero e cissexuais. Trata-se do sujeito como ele é concebido ainda hoje nos interstícios não-comentados dos modos usuais de viver na modernidade. Quando uma esfera assim é colocada em questão a partir da afirmação de que há protagonismo alhures – alhures há dor ou capacidade política ou direito ou reivindicação – um primeiro gesto de uma política animista foi ensaiado. Outros gestos similares conduzem à dilatação sucessiva das esferas. É certo que o gesto é inteiramente explicitado como animista apenas quando se estende a esfera para além das fronteiras do humano. Porém vale notar logo que o gesto se contrasta com aquele outro que afirma que é do interesse da esfera existente dar importância ao que está fora dela – é do interesse da esfera de homens brancos dar importância aos índios e negros ou é do interesse da esfera dos humanos dar importância à diversidade biológica que está do lado de fora. O primeiro gesto, aquele que inaugura um movimento político animista, dilata a esfera enquanto o segundo apenas a conserva. A pergunta que surge quase imediatamente com a menção de uma dinâmica política animista posta nestes termos é: até onde pode se substituir uma esfera por outra mais ampla em raio e que a contenha?

Nestes termos, a dinâmica política animista nos leva à questão do limite do nós, do limite de um âmbito em que nos reconhecemos. Se não há limite, a animação é generalizada e universal e a agência está distribuída por toda parte. Uma alternativa assim convida a uma bolha de tamanho cósmico, a um nós que abrange tudo o que há. Com isso surge uma cosmopolítica – o termo de Isabelle Stengers para considerar em que medida, como Bruno Latour uma vez vaticinou, a ciência é a continuação da política por outros meios –, uma economia geral – o termo que Georges Bataille usa para contrastar a agência econômica que não está disposta em termos da auto-sobrevivência à um economia restrita que é comumente considerada como a economia1 da escassez humana – e também a possibilidade de uma constituição dos direitos de tudo. Ao longo do livro os direitos não-humanos, de cosmopolíticas e de economia geral reaparecem; cada um deles insinua que quando expandido para além das fronteiras variáveis do humano, as instituições familiares se transformam para além de qualquer reconhecimento – elas se tornam gradativamente não mais mais do mesmo, mas algo de estranho, de unheimlich e de irreconhecível. Surge, prontamente, a questão de se elas podem ser estranhas o suficiente, unheimlich como devem ser e genuinamente irreconhecíveis2 já que falar de política, de economia e de direito é estar em um solo demasiadamente humano.

A expansão da bolha promovida pelos animismos deixa exposta a questão: onde e por que fazer parar a dilatação do nós? Ou seja, como fazemos e porque precisamos fazer uma distinção em termos de protagonismo entre nós e todo o resto? Se há uma genuína fronteira, em que termos ela se institui e de que maneira ela se mantêm? A questão exposta assim é ela mesma um explosivo político pois o expansionismo do nós ecoa já como um projeto colonial de usurpar o território (do inanimado) que nos é alheio – e, ainda assim, ele é alheio a quem? A questão exposta deixa claro que as bolhas dilatantes tem não apenas uma arqueologia e uma história, mas também uma perspectiva: nós, os animados – somos animados porque somos nós ou somos nós porque nos reconhecemos como animados? Talvez a animação não seja ela mesma mais do que uma perspectiva: animados somos nós e assim como os outros se reconhecem também como um nós, eles também se reconhecem como animados diante da inanimação de todo o resto. Ou haveria uma maneira de atravessar esta fricção de perspectivas e de genuinamente alcançar uma animação que não seja irremediavelmente nossa, uma animação dos outros?




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